Sobre o estudo de filosofia

Por Georgi Plekhanov, via marxists.org, traduzido por André França

Nota do Editor de Moscou: “Este artigo foi publicado em junho de 1910 no Dnevnik Sotsial Demokrata (Diário de um social-democrata) nº 12”.

Em  uma carta interessante endereçada a mim, um camarada faz uma proposta bastante lisonjeira, a qual, acredito eu, deveria ser respondida impressa. E isso foi o que ele escreveu.Indicando um grande interesse nas belles lettres  [1] e filosofia dentre  os proletários classistas, ele segue:

Parece-me que aquele pensamento sobre questões filosóficas está sendo estimulado não somente pelas obscuras condições politicas, mas igualmente pela materialidade concreta  que se força à consciência das massas.  Isso tem que ser colocado em ordem. É por isso que eles estão aceitando a filosofia tão avidamente, porque tais verdades são possíveis. Foi-me dito em uma carta de Kazan: “acima de tudo, eles estão interessados em  questões filosóficas”; e acrescenta entre aspas: “é o assunto do dia (…)”.


Em Viena, deve ser entregue um relatório no encontro do dia dos emigrantes russos de maio, prevalecendo sobre qualquer outro assunto que não seja filosofia.

Agora os interesses políticos estão despertando novamente, mas assuntos filosóficos serão predominantes por muito tempo e, é claro, permanecerão em uma magnitude significativa, também nas novas condições, uma das conquistas mais valiosas das nossa época obscura.

É importante fazer tudo o que for possível par a encorajar essas buscas e capturar o interesse das massas em um panorama mundial mais real.

Recentemente, um trabalhador (das proximidades) escreveu para mim:  “Eu tentei ler sobre filosofia; eu tentei  tudo o que eu sabia. Eu penso e não consigo entender. E tenho pouco tempo. A fábrica me toma todo o tempo que tenho. Não teriam vocês, intelectuais, escrito algo mais simples, de fácil compreensão?”

Uma “introdução à filosofia” é necessária, que baseada no Marxismo científico e nas ciências naturais é sistematicamente… se não apresentando, então pelo menos representando todas as mais essenciais questões sobre o assunto.

Ninguém poderia fazer isso melhor do que você, se é que você não já começou a trabalhar nisso ou algo similar. Nesse caso, aqueles que agora tem que tatear seus caminhos em direção aos Paulsens , aos Wundts e a similares começarão com trabalhos Marxistas.

Esse é o meu pedido e desejo dos meus amigos.

Devo começar pelo pedido feito pelo meu correspondente expressando o desejo do seu amigo. Contudo, por mais que me seja lisonjeiro, infelizmente, devido a inúmeras outras obrigações, não posso aceitar o pedido no momento. Ademais, seria necessário alguém fazê-lo?

Por mais de dois anos, uma Introduction to the Philosophy of Dialectical Materialism, escrita  por um camarada muito competente, encontra-se repousando aqui. Apesar de todos os meus esforços, não consegui encontrar um editor para o livro [3]. Por que? Evidentemente porque os editores de quem tenho me aproximado – e me aproximei de muitos – não têm esperanças de venderem uma “Introdução” escrita por um materialista. Entretanto, se  se pudesse encontrar um editor, a demanda que o meu correspondente acertadamente menciona seria atendida em medida considerável. Quando digo “em medida considerável” e não completamente, é devido à “Introdução”, que eu tenho aqui, poder não ter sido escrita  de maneira tão benquista quanto o meu correspondente deseja. No entanto, posso garantir que irá dissipar uma multitude de preconceitos nocivos. Se algum dos camaradas interessados em  filosofia puder encontrar um editor para esse trabalho, teremos menos razão para nos queixarmos sobre a ausência de um livro de filosofia apropriado.

Os editores estão mais bem familiarizados com o público leitor. Eles sabem que o materialismo não é uma proposição profícua para o momento presente. Mas se os editores, da sua própria maneira, estiverem corretos; nós, Sociais-Democratas – aqueles dentre nós que compram  livros sobre filosofia – somos parcialmente culpados.

Eis um exemplo interessante.

No verão de 1892, publiquei no exterior uma tradução russa do trabalho clássico de Engels,  Ludwig Feuerbach, junto com umas notas minhas e, como um apêndice, um capítulo do livro “A Sagrada Família”.

No verão de 1905, uma outra edição foi requerida.

Quase no mesmo exato momento, minha tradução (com exceção de algumas notas de rodapé) foi publicada em São Petersburgo.  Esse foi um período em que que o público leitor estava ávido por adquirir todo trabalho impresso que ostentasse o nome do mais ou menos conhecido escritor socialista. Eu estava confiante de que Ludwig Feuerbach, que havia sido publicado em uma quantidade bastante limitada em São Petersburgo, se esgotaria em pouco tempo.  Ocorre que havia pouquíssima procura por ele. A única explicação que achei para isso foi que mesmo os leitores socialistas buscavam algo “mais atual” do que a filosofia do materialismo dialético. Assim, quando os camaradas lamentarem sobre a ausência  de trabalhos filosóficos confiáveis em língua russa, eu os perguntarei invariavelmente: “E você já leu Ludwig Feuerbach?” Frequentemente eles responderão: “Não, não li”. Esse tipo de resposta é dado até mesmo pelas pessoas mais bem familiarizadas com os trabalhos “filosóficos” de algum  Bogdanov ou outro escritor. Quando ouço tais respostas,  perco toda a predisposição para falar sobre o que ler  referente à filosofia.

O que o autor da carta diz é a pura  verdade. Nosso público leitor devotará uma maior atenção a questões filosóficas por muito tempo. É compreensível. Atualmente, a filosofia é a arma mais confiável que temos na Rússia para adaptarmos nossa consciência social ao nosso ser social. Esse ser, afinal de contas, está adotando um caráter burguês. A  consciência, igualmente, deve assumir  o mesmo caráter. E a filosofia está ativamente auxiliando nisso.

Mas nem toda filosofia é apropriada para adaptar a consciência social burguesa para o ser social burguês. Agora, somente a filosofia idealista pode servir a esse propósito. Consequentemente, há  uma ausência da procura por trabalhos filosóficos escritos por materialistas.

Contudo, certamente há  também  socialistas  entre o público leitor? Claro, que há. Estariam eles, também, virando as costas para os trabalhos materialistas? Com já dissemos, sim. Mas por que? Obviamente porque eles provém de uma influência burguesa.

Essa influência é a pista do porquê de Ludwig Feuerbach, de Frederick Engel, mofar nas prateleiras dos editores, enquanto o deplorável Bogdanov é impresso em várias edições.

E Engels não é o único que está vendendo mal. O esplêndido Philosophical Essays de L Axelrod não está em melhor situação e tudo pelos mesmos motivos: culpa dos leitores socialistas. Isso é algo do qual vale a pena refletir. É nosso dever como socialistas não adaptar a consciência social ao ser social burguês, mas preparar as mentes dos trabalhadores para lutar contra esse ser social . Nessa causa, Engels e L Axelrod serão bem mais úteis não só do que o ridículo e nebuloso Bogdanov, como também do que qualquer um dos mais proeminentes representantes filosóficos do panorama mundial burguês.

É constrangedor ter que dizer isso, mas seria um pecado ter que escondê-lo: nós tornamos extremamente difícil para nós mesmos adquirirmos concepções filosóficas consistentes. Como os nossos camaradas estudam filosofia? Eles leem ou, como eu diria  por educação, eles “estudam” os filósofos em voga da atualidade. Entretanto, esses escritores filosóficos que estão na moda estão completamente saturados de idealismos. É bastante natural que nossos camaradas, ao “estudarem” esses trabalhos, se infectem com preconceitos idealistas. E os mesmos Socialistas que estão bastante familiarizados com os Machs, Avenariuses, Windelbands e etc, não têm a menor noção do que é a filosofia de Engels, Marx e Feuerbach. Portanto, o processo, por fim, leva à tentativa de construir uma nova “base filosófica” para estrutura teórica do Marxismo.

Em outras palavras: devemos começar a estudar filosofia a partir de uma finalidade inteiramente diferente. Nem Mach nem Avenarius, nem Windelband nem Wundt, nem mesmo Kant deve nos guiar ao santuário da verdade filosófica, mas somente Engels, Marx, Feuerbach e Hegel. Somente desses professores é que podemos aprender o que precisamos saber.

Devemos falar mais disso em mais detalhes em uma outra hora. Por ora, quero responder, mesmo que brevemente, à interessante correspondência do camarada que me honrou com a proposta mencionada acima.

P.S.: Mesmo assim, não posso ocultar desse camarada que sua proposta é bastante atrativa para mim. Há um ou dois anos, brinquei, por um bom tempo, com a ideia de escrever , de maneira mais popular que eu pude, uma crítica sobre os trabalhos filosóficos de Max Verwörn. [4] Parece-me que tal crítica constrói um caminho direto e não muito difícil para o entendimento às verdades da filosofia materialista. Eu gostaria de pensar que eu ainda devo cumprir esse desígnio.


Notas

As notas foram criadas pelos editores moscovitas desta edição, os quais são identificados como “editor” ou MIA, conforme adequadamente indicados.

  1.  Ensaios puramente literários, etc. – MIA.
  2.  Friedrich Paulsen (1846-1908) – educador alemão e filósofo neo-kantiano; Wilhelm Max Wundt (1832-1920) – psicólogo alemão burguês e filósofo idealista – Editor.
  3.  Plekhanov se refere ao livro de Deborin, Introduction to the Philosophy of Dialectical Materialism (em tradução livre: Introdução à Filosofia do Materialismo Dialético), publicado por Zhizn i Znaniye (Vida e Conhecimento), em Petrogrado, no ano de 1916, com um prefácio de Plekhanov – Editor.
  4. Max Verwörn (1863-1921) – fisiologista alemão – Editor.

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7 comentários em “Sobre o estudo de filosofia”

  1. Bom dia!

    Gostaria de saber pq depois de décadas, nenhum sociólogo ou filósofo reescreveu “O Capital” com uma linguagem mais simples? Parece que essa obra foi propositalmente escrita para uma camada restrita da sociedade o que é uma pena, pois abre espaço para distorções!

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  2. Dialética,materialismo e historiscimo o tripé paradigmático para compreender a realidade neoliberal do capitalismo do século.XXI e ferramenta ideológica para um possível socialismo contemporâneo

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