Os (des) Limites do Futuro.

Por Eitor Ramiro

“A maioria das distopias aponta para um aprofundamento do capitalismo, e uma quase destruição da humanidade. O que é sintomático, afinal é mais fácil pensar no fim do mundo do que no fim da sociedade burguesa. Ou seja, é construído um aspecto de eternidade a um sistema, que assim como os outros, tende a acabar. Com isso, já conseguimos entender um pouco como opera a ideologia, a partir dos seus aparelhos de reprodução da forma burguesa. Consumindo as subjetividades e limitando horizontes.”


É comum nos depararmos com exercícios de pensar o futuro, em conversas, nos filmes, nos livros, nas séries… Mas eu diria que as utopias estão em baixa, enquanto as distopias estariam em alta. O futuro, sendo algo desconhecido, é indecifrável, e é carregado por múltiplas possibilidades de existência. Walter Benjamin, nas suas teses sobre o conceito de história, já tratava de alguns desses aspectos: a história antilinear, não progressiva e as suas mais variadas possibilidades.

Esse exercício de pensar o futuro é uma antiga atividade humana. Sempre se pensou no que seria ou no que poderia ser o amanhã. Os marxistas, em regra, evitam tratar do que seria uma sociedade comunista. O próprio Marx teria dito pouco sobre isso, sendo uma dessas vezes, no livro ideologia alemã, comentando sobre o trabalho nessa nova sociedade, Marx diz: “[…] na sociedade comunista, onde o indivíduo não tem uma única atividade, mas pode aprimorar-se no ramo que o satisfaça, a produção geral é regulada pela que me dá a possibilidade de hoje fazer determinada coisa, amanhã outra, caçar pela manhã, pescar à tarde, criar animais ao anoitecer, criticar depois do jantar, segundo meu desejo, sem jamais me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico”.

 Em outro momento, no livro Crítica do Programa de Gotha, Marx escreve: “Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver desaparecido a escravizante subordinação do indivíduo à divisão do trabalho, e com ela também a antítese entre o trabalho mental e o físico […] só então o horizonte estreito do direito burguês poderá ser completamente ultrapassado […]”.

Com isso, percebe-se uma lacuna, intencional, de como funcionaria aquela sociedade que superaria a estrutura burguesa. Ludwig Von Mises, em seu livro “liberalismo”, critica esse aspecto ao mesmo passo que medita sobre como deveria ser uma sociedade liberal. Dessa forma, percebe-se uma “dificuldade” em compreender a crítica ao objeto quando a crítica não vem acompanhada de uma solução mágica. Note, na história não há certezas, e está a todo o momento sendo construída, de tal sorte que, a compreensão do capitalismo ainda é pauta do dia, visto que se trata de um objeto em movimento.

No entanto, ainda que não haja certezas, a história possui tendências, que podem nos fornecer indicativos do que podemos esperar para o futuro. Como tratei anteriormente, me parece que as distopias estão em alta, e isso é uma expressão de uma tendência do nosso atual estágio. A maioria das distopias aponta para um aprofundamento do capitalismo, e uma quase destruição da humanidade. O que é sintomático, afinal é mais fácil pensar no fim do mundo do que no fim da sociedade burguesa. Ou seja, é construído um aspecto de eternidade a um sistema, que assim como os outros, tende a acabar. Com isso, já conseguimos entender um pouco como opera a ideologia, a partir dos seus aparelhos de reprodução da forma burguesa. Consumindo as subjetividades e limitando horizontes.

A utopia serve pra caminhar, já dizia Eduardo Galeano, além disso, ela também serve para pavimentar esse caminho, e se possível, torná-lo mais fácil e menos árduo. Ao tratar de utopia me recordo de um fato interessante que percebo em minha trajetória: aqueles que mais criticavam o comunismo eram os que mais fantasiavam sobre ele. Afinal, quem nunca ouviu que no comunismo todos se vestem igual? Ou que no comunismo a miséria é generalizada?

Enfim, nesses casos, o que se critica não é o comunismo ou o socialismo, mas sim uma fantasia ou uma ideia sobre o que seriam essas hipóteses. Ou seja, critica-se a ideia que o próprio crítico criou. Alguns poderiam dizer que por eles explicarem como seria a sociedade comunista, teriam mais capacidade de convencimento perante as pessoas. Entretanto, todo modo de produção se estrutura buscando preservar a sua existência, o que torna o argumento e a razão menos eficazes. Dessa forma, possui a verdade aquele que detém os aparelhos ideológicos, como trata o Alysson Leandro Mascaro.

Tal aspecto é, também, extremamente importante, pois denota a problemática de acreditar no poder da razão ou do argumento para se alterar condições materiais. Detém a razão quem detém os meios de produção, o próprio Marx traz isso, novamente na ideologia alemã: “As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes; ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é ao mesmo tempo sua força espiritual dominante.” Assim, conseguimos entender como se propaga tanta propaganda anticomunista, e em regra, absurdamente equivocadas.

Portanto, é preciso compreender o papel da utopia sem cair em fantasias idealistas, ou seja, podemos buscar, de maneira limitada, permear os espaços do horizonte que foram circunscritos pela ideologia dominante. Afinal, “o papel do revolucionário é alargar os limites do possível”, como trata Leon Trótsky. No entanto, também é mais que necessário perceber que a construção do novo se dá através de processos históricos, com pressões, rupturas, tensões e movimento. Peter Frase, em seu livro Quatro Futuros, traz uma observação interessante para examinar essa problemática, dizia ele que Marx acreditava ser uma “tolice” se aprofundar no que seria uma sociedade comunista – algo como escrever receitas para as cozinhas do futuro.


Referências.

  1. ZIZEK, Slavoj. em seu discurso no Occupy Wall Street[3](“é fácil imaginar o fim do mundo – vide os inúmeros filmes apocalípticos –, mas não o fim do capitalismo”) Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2011/10/11/a-tinta-vermelha-discurso-de-slavoj-zizek-aos-manifestantes-do-movimento-occupy-wall-street/>
  2. MARX, Karl. Ideologia Alemã. São Paulo: Martin Claret; 1ª edição. 2010
  3. MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo Editorial. 2015
  4. FRASE, Peter. Quatro Futuros. São Paulo: Autonomia Literária; 1ª edição. 2016.
  5. MISES, Ludwig Von. Liberalismo. São Paulo: LVM Editora; 2ª edição. 2010
  6. BENJAMIN, Walter. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. In Walter Benjamin – Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 222-232.

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