Contribuições de Petr Stucka sobre possibilidades de superação da forma jurídica da mercadoria

Por João Paulo de Faria Santos

A teoria jurídica marxista tem se baseado, ao longo da maior parte de seu amadurecimento, em uma dupla crítica implacável do Direito. Por um lado, a crítica do Direito como falseamento da realidade; por outro, a crítica da própria forma jurídica adotada pela burguesia na implementação do Estado Moderno, vendo-a como reflexo fundante do modo de produção capitalista.

Não se deve pintar de vermelho

as paredes velhas que estão caindo,

no lugar de reconstruí-las

(Petr Stucka)

Introdução

A teoria jurídica marxista tem se baseado, ao longo da maior parte de seu amadurecimento, em uma dupla crítica implacável do Direito. Por um lado, a crítica do Direito como falseamento da realidade; por outro, a crítica da própria forma jurídica adotada pela burguesia na implementação do Estado Moderno, vendo-a como reflexo fundante do modo de produção capitalista.

A primeira crítica, portanto, entende o Direito enquanto ideologia, ou seja, um falseamento da realidade que consistiria na concepção de que o Direito é uma norma geral que deve ser cumprida como vontade geral ou como princípio universal racional, e, dessa forma, não pode ser visto como ele, na realidade, é: imposição de interesses específicos de uma classe para o cumprimento compulsório de todos. Essa crítica permanece na análise do Direito como superestrutura social, ou seja, como um reflexo que mantém, na verdade, a estrutura social de reprodução econômica.

A segunda categoria de crítica é uma tentativa, a partir da leitura da obra “O Capital” e outros textos de economia política de Marx, de relacionar o Direito com a própria estrutura econômica da sociedade. As relações de produção, portanto, são uma categoria primária do próprio Direito, especialmente do Direito de propriedade e da autonomia contratual. Em uma sociedade centralizada no mercado, não haveria também como não se falar na forma jurídica, que é necessária e imprescindível a realização dessa forma produtiva, estabilizando-as como relações de propriedade.

A análise que nos propomos a fazer nesse artigo procurará, primeiramente, a descrição dos próprios textos marxianos e do clássico “Socialismo Jurídico” de Friedrich Engels e Karl Kautsky, publicado somente quatro anos após a morte de Marx, que resume a obra marxiana no aspecto do Direito como ideologia, e será texto obrigatório para o amadurecimento da crítica posterior. Ainda, nesse ponto, iremos analisar as críticas de Hans Kelsen e suas ponderações construtivas sobre ideologia, Direito e teoria jurídica.

Já em relação a crítica segunda, mais profunda, que entende o Direito como linguagem da economia e da sociedade sob um determinado modo de produção, não há como se afastar da obra máxima de Evguiéni Pachukanis[1], que será a base para a tradução epistemológica de Economia Política de Marx para a Teoria Geral do Direito.

Entretanto, a busca desse artigo não se encerrará na dupla crítica desconstrutiva marxista, nem no tocante a ideologia, nem no tocante ao modo de produção capitalista. Ao final, nossa ideia é apresentar também vertentes marxistas propositivas que apontem possibilidades emancipatórias do Direito para além da forma jurídica da mercadoria.

Nossa lente, por isso, se focará no estudo da obra de outro autor, contemporâneo a Pachukanis e que estabeleceu debates jurídicos importantes com ele: o jurista letão Petr Stucka (1865-1932). Sua obra não discorda da crítica da forma jurídica da mercadoria elaborada por Pachukanis, mas tenta reduzi-la a formas historicamente hegemônicas e, por isso, quase absolutas em determinadas épocas, de como o Direito era pensado, desde Roma, sob certos aspectos, inclusive. Todavia, Stucka aponta também para formas simplificadoras e desmistificadas, que enunciem o caráter de classe do Direito e, exatamente por isso, possam construir formas jurídicas diferentes das estabelecidas na modernidade burguesa. Tais possibilidades foram intentadas de forma ousada, inclusive pelo próprio Stucka, no experimentalismo soviético (1917-1924), mas não são por ele inauguradas: dessa forma, perseguiremos, à guisa de conclusão, as fontes inspiradoras de superação da forma jurídica, ainda na Alemanha Bismarckiana, especialmente os escritos de Lorenz Von Stein, ou mesmo nas primeiras obras de Karl Renner e nos debates constitucionais da República de Weimar, que enunciam teorias diversas sobre o Direito público e a função social do Direito como um todo.

O Direito como Ideologia

O enunciado do Manifesto Comunista tem a clareza de resumir o pensamento marxiano sobre o Direito até a maturidade da crítica da economia política produzir algo diverso.  O Direito, no segundo capitulo do famoso manifesto, é assim definido: “… Direito não passa da vontade de vossa classe erigida em lei”[2]. É a inversão marxiana absoluta do idealismo da filosofia alemã de sua época (especialmente hegeliana), que também inclua o mundo da teoria jurídica. Ao contrário desse idealismo, Marx sabia que as ideias – jurídicas, inclusive – eram meras abstrações de realidades concretas, de classe, camufladas como realidades subjacentes.

O descobrimento do caráter ideológico do Direito é um prenúncio importante da separação do Direito em relação a moral, que será a tônica de teorias jurídicas normativistas ao longo do século XX. Sob a base epistemológica do materialismo histórico dialético, que busca uma interpretação econômica – e até certo ponto objetiva – da realidade social baseada o modo de produção, o Direito é equiparado ao próprio Estado (e inseparável deste), ou mesmo à moral, como formas superestruturais que levam, invariavelmente, à manutenção da exploração de classe contida nas relações produtivas.

Já há algum tempo, o jovem Marx estabelecia essa relação entre Direito e Ideologia. Entre seus primeiros escritos de fôlego, publicados em jornais alemães da época, podemos encontrar menções relevantes nesse sentido.

Um deles, ainda de 1842, é um dos primeiros que publica no jornal Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), um ano depois de concluídos seus estudos universitários, no qual versa sobre uma lei que criminalizava um costume dos camponeses da Renânia de coletar gravetos e madeiras desde tempos imemoriais.

Neste artigo, Marx compara a lei com um ritual de uma comunidade indígena da Rússia Siberiana, os Samoiedos, que matavam um animal esquartejando-o sempre com uma faca russa, fazendo que assim, em sua cosmovisão tradicional, toda a vingança da morte do animal recaísse sobre os russos, povo historicamente inimigo dos samoiedos. É nesse ponto que Marx assevera: “pode-se transformar a lei em uma faca russa, mesmo que não se tenha a pretensão de ser um samoiedo”[3]. Ou seja, a lei simplesmente estabelece, por seu suposto padrão normativo universalizante, uma obliteração do real interesse oculto que, posteriormente, será nomeado de interesse de classe.

Já no início de 1844, na “Crítica a Filosofia do Direito em Hegel – Introdução”, publicado nos Anais Franco-Alemães (Deutsch-Französische Jahrbücher), seu foco é a Escola Histórica do Direito, capitaneada por seu ex-professor Frederick Von Savigny, onde Marx classifica o Direito como visto por esses teóricos, como a pura e simples perpetuação da exploração:

Uma escola que legitima a infâmia de hoje pela de ontem, que considera como rebelde todo grito do servo contra o açoite desde que este seja um açoite venerável, ancestral e histórico; uma escola à qual a história, tal como o Deus de Israel fez com o seu servo Moisés, só mostra o seu a posteriori – a Escola Histórica do Direito -, tal escola teria, assim, inventado a história alemã, não fosse ela uma invenção da história alemã”[4]

O Direito, em seu caráter ideológico, era, então, desnudado desde o princípio das obras marxianas, seja como pseudo-histórico, seja como método concreto de um determinado poder político.

Engels e Kautsky são mais diretos na enfáticos na crítica ao Direito como ideologia, em sua obra “Socialismo Jurídico”, ao afirmarem que o núcleo duro da ideologia burguesa é sua concepção jurídica de mundo, denunciando um certo “fetichismo da norma”, quase uma nova religião que, na verdade, acaba formatando a luta de classes sob os parâmetros burgueses, impedindo seu elemento desestabilizador, que de fato perturbe a ordem vigente:

A bandeira religiosa tremulou pela última vez na Inglaterra no século XVIII, e menos de cinquenta anos mais tarde aparecia na França, sem disfarces, a nova concepção de mundo, fadada a se tornar clássica para a burguesia, a concepção jurídica de mundo (…) a classe trabalhadora não pode exprimir plenamente a própria condição de vida na ilusão jurídica burguesa[5]

A conclusão de Engels e Kautsky é que a mera conversão das ideias socialistas em conceitos jurídicos traria a esterilidade daquelas, mas não deixam de apontar para a necessidade dos socialistas construírem também uma nova filosofia do Direito[6].

A ideologia na Teoria Jurídica e não no fenômeno jurídico

 Como já explanado, a separação do Direito em relação a moral e uma ênfase mais realista no estudo jurídico foi a tônica do debate do século XX. Todavia, um dos principais autores a concordar com essa visão, o austríaco Hans Kelsen, em obra de 1955[7], insere um ponto nevrálgico no debate: a diferença entre Direito como fenômeno concreto e as teorias jurídicas que o qualificam como algo além dessa realidade, marcando as segundas como a verdadeira fonte da ideologia jurídica.

Em resumo, Kelsen afirma que não é o Direito, em si, que é uma categoria ideológica. Na verdade, é o contrário, o Direito existe, é objetivo, é a lei legislada, é a decisão jurídica vigente e eficaz, é uma realidade social, portanto. O que é inteiramente ideológico, todavia, é uma certa teoria jurídica hegemônica, feita sempre pelos ideólogos da classe dominante, que distorcem o Direito real, qualificando-o como sempre normativo e justo, vendo-o como expressão de princípios apriorísticos supostamente de justiça para apresentá-lo como normas de vida para os indivíduos das classes dominadas, afim de instrumentalizar essa dominação e suavizar suas condições concretas.

Law and morality are ideologies because they are interpreted by bourgeois ideologists as norms. Hence it is the normative interpretation of the law, a special theory of the law, not the law itself, the object of a theory, that is an ideology. (…) This confusion is at the basis of the misleading but frequently made statement: the law presents or interprets itself as norm and hence as just. But it is not the law; it is always some jurist who presents or interprets the law in a certain way and thus may produce – by his presentation or interpretation – an ideology.[8]

 Tais conclusões kelsenianas[9] abrem espaço para a análise de um outro ponto da obra marxiana, já na maturidade da crítica da economia política, na qual Marx admite não só uma interação entre Direito e economia, mas entre relações de produção e relações jurídicas. Stucka, inclusive, esclarece que Marx, ao definir o Direito como ideologia, confunde temporariamente o fenômeno concreto do Direito – para posteriormente, nos seus estudos de Economia Política esclarecer – com as teorias jurídicas voluntaristas, em voga em sua época[10], que eram os mais avançados representantes de uma ciência jurídica naquele momento: “compreende-se que, hoje, empregariam uma linguagem diferente”[11].

O Direito como Estrutura Produtiva Capitalista: A Forma Jurídica da Mercadoria

O Direito, portanto, para além de uma ideologia de interesses de classe transposta como valor universal de justiça, também se identifica e se mistura às relações econômicas vigentes de um determinado modo de produção.

Em obra póstuma, Marx escreve o que seria a pedra fundamental para se entender o Direito não somente como ideologia, ou como infraestrutura, mas também como formulação própria e inafastável do modo de produção de uma sociedade, portanto, de sua infraestrutura. Em uma crítica aos clássicos da economia política, Marx reduz os debates econômicos de sua época – seja no pensamento de Adam Smith, David Ricardo ou John Stuart Mill – a relações jurídicas de propriedade:

Quando se reduzem essas trivialidades a seu conteúdo real, elas expressam mais do que sabem seus pregadores, isto é, que cada forma de produção cria suas relações de Direito, suas formas de governo próprias. A grosseria e a incompreensão consistem precisamente em não relacionar senão fortuitamente umas às outras, em não enlaçar, senão no domínio da reflexão, elementos que se acham unidos organicamente.[12]

Essa união orgânica e não fortuita entre relações jurídicas e relações econômicas é intuída por Marx, porém será desenvolvida à exaustão somente no século XX, na obra do jurista russo Evguiéni Pachukanis.

Pachukanis em sua obra Teoria Geral do Direito e o Marxismo, publicada pela primeira vez em 1924, procura descrever a natureza íntima do Direito no processo do valor de troca, buscando entender a especificidade burguesa no modo de produção capitalista.

Em resumo, Pachukanis descreve a necessidade inafastável das relações jurídicas de sujeição, especialmente da categoria “sujeito de Direito”, para a universalização da mercadoria como mero valor-de-troca e, ainda, para a consolidação do modo de produção capitalista. Sua citação mais recorrente de Marx está no capítulo II do livro I d´O Capital, no qual o sujeito de Direito é entendido como subordinado à troca mercadológica:

 As mercadorias não podem ir por si mesmas ao mercado e trocar-se umas pelas outras. Temos, portanto, de nos voltar para seus guardiões, os possuidores de mercadorias. (…) Para relacionar essas coisas umas com as outras como mercadorias, seus guardiões têm de estabelecer relações uns com os outros como pessoas cuja vontade reside nessas coisas e que agem de modo tal que um só pode se apropriar da mercadoria alheia e alienar a sua própria mercadoria em concordância com a vontade do outro, portanto, por meio de um ato de vontade comum a ambos. Eles têm, portanto, de se reconhecer mutuamente como proprietários privados. Essa relação jurídica, cuja forma é o contrato, seja ela legalmente desenvolvida ou não, é uma relação volitiva, na qual se reflete a relação econômica. O conteúdo dessa relação jurídica ou volitiva é dado pela própria relação econômica. Aqui, as pessoas existem umas para as outras apenas como representantes da mercadoria e, por conseguinte, como possuidoras de mercadorias.[13]

Marx afirmaria nessa passagem a necessidade da relação jurídica e da própria noção de sujeito de Direito não só como condição inexorável para a mercantilização do mundo, mas como existente em razão desta. O Direito, na obra máxima econômica de Marx, não é somente uma ideologia jurídica, é uma forma de relação social que impõe a sujeição das pessoas para que se tornem “representantes da mercadoria” que “não podem ir por si mesmas ao mercado e trocar-se umas pelas outras”.

Para Pachukanis, assim como a mercadoria é o átomo do sistema capitalista, sua forma mínima descoberta por Marx, o sujeito de Direito (ou forma jurídica sujeito) é o átomo do Direito, para ele: “Toda relação jurídica é uma relação entre sujeitos. O sujeito é o átomo da teoria jurídica, o elemento mais simples e indivisível, que não pode mais ser decomposto”[14]. Essa forma jurídica não possibilita somente a circulação mercantil universal, mas, especialmente, a circulação de uma mercadoria “especial”, a força de trabalho. Essa mercadoria só pode ser oferecida no mercado transfigurada em elemento jurídico, ou seja, a exploração capitalista, diferente dos modos de produção anteriores de coerção direta e imediata, é mediada por uma forma jurídica: o contrato, entre sujeitos que trocam em igualdade (perante a lei) e liberdade (autonomia privada):

O servo está em uma situação de completa subordinação ao senhor justamente porque essa relação de exploração não exige uma formulação jurídica particular. O trabalhador assalariado surge no mercado como um livre vendedor de sua força de trabalho porque a relação capitalista de exploração é mediada pela forma jurídica do contrato.[15]

Ao final das contas, essa união jurídico-contratual entre trabalho e os meios de produção é a própria base do capitalismo: “entre as unidades econômicas privadas isoladas estabelece-se uma conexão, caso a caso, por meio de contratos. A relação jurídica entre os sujeitos é apenas outro lado das relações entre os produtos do trabalho tornados mercadoria”[16].

As investigações de Pachukanis sobre a forma jurídica da mercadoria são um desenvolvimento impressionante daquilo que Marx destacava sobre a relação quase identitária entre relações de produção e relações jurídicas de propriedade, na estrutura da sociedade burguesa. E se mantem quase imunes a criticas quando restrita a análise dos institutos do Direito privado construído ao longo dos séculos XVIII e XIX, posicionando na teoria crítica de forma definitiva o Direito como algo real, além da mera ideologia ou somente superestrutural. Entretanto, Pachukanis não deseja resumir sua teoria ao Direito Privado, ele pretende descrever uma Teoria Geral do Direito, que seja uma reflexão sobre todos os aspectos da dogmática jurídica e, para isso, imagina o Direito Penal como uma outra forma de troca “mercadológica” entre crime e punição[17] e, ainda, nega ao Direito Público uma essência jurídica plena:

Ao mesmo tempo que a doutrina do Direito civil trata das camadas primárias fundamentais do Direito e vale-se amplamente e com propriedade dos conceitos do Direito subjetivo, na teoria do Direito público tais conceitos suscitam a cada passo um equívoco e uma contradição. Por isso, o sistema do Direito civil destaca-se pela simplicidade, clareza e perfeição, enquanto nas teorias do Direito público abundam construções forçadas, artificiais, unilaterais e, até mesmo, grotescas. A forma do Direito com seu aspecto de autorização subjetiva é gerada em uma sociedade que se constitui de titulares isolados de interesses privados, egoístas. (…) O Direito público pode existir apenas como representação da forma jurídica privada na esfera da organização política, senão ele deixará de ser Direito.[18]

Neste ponto, a crítica a Pachukanis é muito maior, inclusive pela formulação corrente a sua época de um novo Direito Público soviético emergente, mas a defesa de Pachukanis é feita na medida em que considera como jurídico, tudo aquilo que é contraditório, que se posiciona no princípio do sinalagma, no antagonismo de interesses privados, no litígio que é real no Direito Privado e somente falseado no Direito Público:

Uma das premissas fundamentais da regulamentação jurídica é, portanto, o antagonismo dos interesses privados. Isso é, ao mesmo tempo, uma premissa lógica da forma jurídica e uma causa real do desenvolvimento da superestrutura jurídica. O comportamento das pessoas pode ser regulado pelas mais diferentes regras, mas o momento jurídico dessa regulamentação começa onde têm início as diferenças e oposições de interesses.[19]

Um dos grandes juristas a criticar implacavelmente Pachukanis neste aspecto é Hans Kelsen. O jurista austríaco argumenta que Pachukanis, ao tentar negar o caráter jurídico do Direito Público e também, por via de consequência, do direito objetivo, recai em uma ideologia jurídica alemã burguesa e conservadora[20], que separa o Estado e o Direito, sem base na realidade, por não considerar os atos do Estado como atos de seres humanos e, ainda, traduz a ideologia de que o direito subjetivo é anterior ao direito objetivo lógica e historicamente, logo precedente ao dever (obrigação), resguardando-os como intocáveis, especialmente o Direito de propriedade:

The only purpose of this dualistic interpretation of the law is to guarantee the existing rights, that is to say, to safeguard certain provisions of the existing law stipulating these rights, especially the property rights, against abolition by a change of the legal order and, in particular, to prevent expropriation without compensation in case of a reform of the existing law, by maintaining that such a reform would be contrary to the nature of the law. (…) But, strange as it seems, it is just because of theses contradictions that the Marxist Pashukanis accepts the dualistic doctrine of bourgeois jurisprudence.[21]

Outro que o critica também nesses pontos, mas o faz de forma construtiva, entendendo a teoria de Pachukanis como relativa – portanto circunscrita ao Direito Privado – é o já citado Petr Stucka. Sua ponderação em relação a obra pachukaniana dá a esse autor que analisaremos uma posição de vanguarda, na qual se pode adotar a ideia de que o Direito socialista é ainda um Direito burguês, mesmo que supostamente sem burguesia (tal qual também afirma Pachukanis), por que ainda mantém a forma jurídica da mercadoria em suas inúmeras e constantes (inclusive no plano de empresas estatais) relações jurídicas típicas do Direito privado, mas, por outro lado, se pode avançar na tarefa marxiana de superação do “estreito horizonte do Direito burguês”[22] em suas inovações na esfera do Direito Público, inclusive nas parcelas de Direito Privado que, aos poucos, ao longo do século XX, se publicizavam, como o contrato de trabalho, a propriedade rural ou mesmo o domínio de mercados.

Petr Stucka e o desmascaramento do Direito como interesse de classe

Petr Stucka é criticado por Pachukanis de forma direta, sob o argumento de que sua teoria versa sobre o conteúdo do Direito e não da forma e, ainda, por não diferenciar as relações jurídicas em sua especificidade das demais relações sociais. Stucka, por sua vez, elogia o trabalho de Pachukanis[23], minimizando suas diferenças teóricas como uma “reserva marginal”[24], mas sempre deixando claro que Pachukanis teria descoberto não a essência do Direito, mas a essência do Direito burguês, generalizando tais descobertas equivocadamente. Em sua segunda edição da obra “Direito e Luta de Classes”, que é posterior a publicação máxima de Pachukanis, Stucka já refuta as críticas, indicando inclusive a “ordenação” como especificidade das relações jurídicas em uma sociedade.

Diante dessas balizas que Stucka é o principal representante da tendência moderada da chamada “Escola Jurídica da troca de mercadorias”, já que ele interpretava a forma jurídica da mercadoria como essência do Direito Civil (e de seu Código Civil de Napoleão, a quase Bíblia da burguesia[25]), diferentemente de Pachukanis que a ampliava radicalmente para o Direito em geral[26].

Analisemos, brevemente, os principais conceitos de Petr Stucka sobre a teoria jurídica para nos orientarmos sobre a possibilidades do Direito que ele percebe – depois somente do Direito Público – para além da identidade Direito e capitalismo que Pachukanis advoga.

Stucka, o Comissário do Povo (ministro) para a Justiça escolhido por Lênin, além de jurista era professor e responsável pela reformulação do ensino jurídico na recém-criada União Soviética[27] e, dessa forma, traz uma preocupação didática enorme em sua obra e tenta escrevê-la tendo por base a formulação de um conceito de Direito simples, que pudesse ser estudado por todos. Essa definição, que por muitas vezes é o todo do estudo da obra de Stucka em compilados posteriores, deve ser um bom ponto de partida de suas ideias: “O Direito é um sistema (ou ordenamento) de relações sociais correspondentes aos interesses da classe dominante e tutelado pela força organizada desta classe.”[28]

Assim, Stucka, primeiramente, concorda com Pachukanis, ao definir Direito de forma anti-normativista, ou seja, como um fenômeno social. Direito seria uma espécie de relações de produção e reprodução social, isto é, das relações econômicas produtivas e de troca. Além disso, Stucka reforça, ao final de sua definição, que o Direito é uma força organizada, ou seja, é ao menos potencialmente coercitivo, mas que também funciona como persuasão[29], sendo que sua centralidade organizativa, na maioria dos casos, se dá em torno da figura estatal. Neste ponto, Stucka aproveita para responder a crítica de Pachukanis, de que sua teoria não conseguiria diferenciar o Direito das demais relações sociais[30]. Stucka, para isso, é claro ao inserir que determinadas relações econômicas são organizadas no nível jurídico, ou seja, centralizadas – e inclusive, mas não unicamente, estatais[31] – e outras não, como costumes irrelevantes ao Direito ou mesmo práticas rechaçadas pelo Direito, como o contrabando[32].

Mas o ponto fundamental da definição de Stucka é, sem sombra de dúvidas, a afirmação de que o Direito se define como os interesses da classe dominante. É esse o ponto que constitui, como ele mesmo diz, a “essência de todo o Direito”[33].

É isso que coloca o Direito na história, ou seja, evita-se o desvio de se acreditar ser o Direito uma categoria eterna, imutável, que os “juristas buscam até hoje”[34]. Assim, todas as classes, e todos os períodos da humanidade, teriam seu próprio Direito, já que esse se modifica com o movimento incessante da luta de classes. Em uma sociedade sem classes, objetivo final de um comunismo utópico, não se aplicaria o Direito, tendo em vista o caráter coercitivo não mais ser necessário. Todavia, ao contrario do que advoga Pachukanis, o longo período de transição pós-capitalista – que alguns chamariam de socialismo – teria seu próprio Direito, necessário para, aos poucos, substituir o Direito hegemônico, e que representasse não mais o interesse da burguesia e sim os interesses do proletariado[35], que se organizariam sistematicamente, modificando a própria filosofia do Direito.

O ordenamento das relações sociais sob o capitalismo é o Direito Privado, que existe, inclusive, antes da lei, como fonte pela qual todas as demais instituições jurídicas se voltam para garantir a proteção desse Direito. Neste ponto, Stucka se iguala a Pachukanis, na defesa de um Direito necessariamente burguês. Inclusive o próprio Estado, quando assume o papel de sujeito do “Direito privado”, assim o faz como personificação do capital. Por isso, Stucka pode ser categorizado – com ressalvas e sob a alcunha de “ala moderada” – na mesma “Escola Jurídica de Trocas de Mercadorias” de Pachukanis.

Mas, como dissemos, sempre em uma ala moderada, já que percebe que o pensamento jurídico que transforma tudo, inclusive o Estado, em sujeitos de direito, não é uma categoria eterna, mas um puro conceito de classe adotado organicamente pela sociedade burguesa. A base desse movimento, no entanto, como já afirmava Kelsen, não é eterno e intrínseco ao Direito, e sim de um pensamento filosófico jurídico que tem por base a ideia da vontade autônoma individual como única fonte do Direito: “sobre a liberdade do querer baseou-se tanto o Direito, como toda a concepção jurídica burguesa”[36]. A hegemonia desse pensamento seria tamanha no século XIX, que até Marx, de alguma forma, sucumbiria parcialmente a ele:

O próprio Marx, inclusive, durante um breve espaço de tempo, pagou o seu tributo à terminologia das teorias voluntaristas do Direito. Na realidade, Marx havia se formado nas concepções jurídicas dos anos trinta, que viam no Direito uma expressão da vontade geral (Volkswille).[37]

Assim, a complementação a ideia de que o Direito é classista é a de que o Direito, na verdade, não se move pela vontade dos indivíduos ou pela vontade geral, como pensa e quer a burguesia – e assim tentou impregnar no âmago do seu Direito privado – e sim de acordo com interesses[38]. Tais interesses, inclusive, nem mesmo são individuais, e sim de classe. É o interesse de classe que se converte em Direito depois da vitória histórica desta classe e perderia tais características quando a classe perde o poder. Nesse ponto, a discordância com Pachukanis, que também entraria na lógica burguesa de imaginar o sujeito de Direito na sua autonomia da vontade como todo o Direito e não como um forma jurídica do Direito histórico burguês.

Uma classe, que inicialmente teria interesses meramente econômicos – sendo uma “classe em si” no vocabulário marxista – converteria esses interesses, em algum momento, em ético-políticos, com a intenção de universalidade, ao se reconhecer como “classe para si”, consciente de um papel histórico próprio: “As reivindicações resultantes dos interesses comuns de uma classe só podem ser realizadas quando essa classe conquista o poder político e suas reivindicações alcançam validade universal sob a forma de leis”[39].

O domínio das coisas como essência do Direito Privado, antes mesmo das relações de produção e troca

Uma outra ressalva fundamental de Stucka a Pachukanis é a de que não foram propriamente as relações de produção e troca entre sujeitos livres e iguais que formaram o início de um Direito burguês. Tais relações, fundamentais e definidoras da forma jurídica, não foram as iniciais, sendo que o primeiro movimento burguês pela forma jurídica como forma de dominação de classe e imposição de seus interesses se coloca anteriormente, na medida da consolidação da propriedade privada: é a garantia da propriedade privada dos meios de produção, como a terra e a fábrica, o verdadeiro direito da desigualdade que gerava a antinomia entre igualdade jurídica e desigualdade de fato (exploração).

Desta maneira o autor (Pachukanis) concluiu que o Direito deriva da troca de mercadorias e que não aparece antes dela, esquecendo a outra fonte do Direito, as relações de domínio na propriedade privada dos meios de produção (e da terra em primeiro lugar).[40]

A propriedade não é uma simples relação social e muito menos um mero conceito ou princípio abstrato, ela representaria a totalidade das relações burguesas de produção, ou seja, é sobre ela que se ergue toda uma “superestrutura de sentimentos, ilusões, modos de pensar e visões de vida distintos”[41] e por isso o risco de esterilidade do “socialismo jurídico” de somente limitar o direito de propriedade sem construir um novo direito que caminhe para a abolição da propriedade burguesa. A realização formal do capitalismo não é, exatamente, o Direito como um todo, mas o Código Civil[42] e seus apoios: Direito Penal e até mesmo o Direito Constitucional que “realiza apenas uma função auxiliar e parcialmente técnica”[43] ao Direito Civil, ao organizar o poder da classe dominante.

O ponto máximo do domínio proprietário individualista é, como já anotado anteriormente, o “rebaixamento” do Estado a um outro sujeito privado qualquer e que, portanto, agiria, em sua vida econômica, como mais um proprietário privado, ou seja, seguindo sem desvios os ditames do Direito Privado, por maiores que sejam os interesses públicos envolvidos. O mero confisco anterior, na sociedade burguesa, foi substituído pela desapropriação por estrita necessidade e, mesmo assim, mediante uma indenização que tornava o Estado um “comerciante” que pagava por suas propriedades antes de recebê-las, em moeda corrente e a preço de mercado. Assim se preservaria a máxima de Montesquieu de que o maior interesse público é de que cada um conserve invariavelmente a propriedade que o Direito civil concede:

Trata-se de um paralogismo dizer que o bem particular deve ceder ante o bem público (…) isso não acontece naqueles onde se trata da propriedade dos bens, porque o bem público sempre consiste em que cada um conserve invariavelmente a propriedade que as leis civis lhe dão. (…) Coloquemos então como máxima que, quando se trata do bem público, o bem público nunca é que privemos um particular de seu bem, ou mesmo que lhe retiremos a menor parte com uma lei ou um regulamento político. Neste caso, deve-se seguir com rigor a lei civil, que é o paládio da propriedade.

Assim, quando o público precisa de fundos de um particular, não se deve nunca agir pelo rigor da lei política; mas é neste caso que a lei civil deve triunfar pois, com olhos de mãe, olha cada particular como toda a cidade.

Se o magistrado político quer construir algum edifício público, algum novo caminho, é preciso que ele indenize; o público é, neste caso, como um particular que trata com outro particular. Já é bastante que ele possa obrigar um cidadão a vender-lhe sua herança e que retire dele o grande privilégio que ele recebe da lei civil, de não poder ser forçado a alienar seus bens.[44].

Essa simbólica passagem de Montesquieu, publicada em 1748, se encontra embutida em um capítulo que traz o título de “Não se devem regular segundo os princípios do Direito político as coisas que dependem dos princípios do Direito civil”: parece ser esta a essência da forma jurídica desmascarada por Pachukanis, mas que Stucka reduz a uma específica forma totalizante burguesa de se entender o Direito Privado/Civil. Ir além dessa forma jurídica é, então, plenamente possível, e seria a tarefa necessária para um Direito que representasse algo além do que o interesse da burguesia de então. Bastaria, para começar, a contrario sensu, “regular por princípios do Direito Político as coisas que parecem depender dos princípios do Direito Civil”. Atualizando, por óbvio, a ideia de princípios abstratos para interesses coletivos concretos e, ainda, atualizando Direito Político como o Direito Administrativo, Agrário, Trabalhista, Econômico e qualquer “ramo” que coloque a supremacia do interesse público como eixo acima da autonomia ilimitada da vontade individual, especialmente nos casos de propriedade, contrato e demais domínios das “leis civis”.

Mesmo que esses avanços já estejam presentes no ordenamento jurídico burguês (e tenham ganho ainda mais força em alguns sistemas jurídicos ao longo do século XX) e sejam assumidos com suas funções táticas imprescindíveis[45], não são autossuficientes, como o Direito não o é, e acabam suprimidos, como é exemplo reiterado nesse século XXI de flexibilização de legislações trabalhistas, venda de terras para transnacionais estrangeiras, privatizações massivas ou mesmo de bancos centrais “autônomos”. Stucka já alertava que, “aos primeiros sinais de ameaça da chegada ao poder, ainda que seja somente da ala mais moderada da classe operária, procede-se à desnacionalização”[46]. Ou seja, ao fim e ao cabo, a grande crítica ao “socialismo jurídico”, formulada desde o acima citado Engels, não estava inexoravelmente na sua essência, mas sim na força atribuída ao Direito sem as necessárias condições econômicas, sociais e políticas ou, nas palavras de Stucka, a sina de que “sua atividade depende da dinâmica do movimento social”[47].

Construindo outras formas jurídicas: Von Stein, Renner e República de Weimar.

Nessa parte final desse artigo tentaremos lançar luzes sobre esses avanços que, mesmo precários, parecem enunciar novas formas jurídicas que representariam um Direito pós-capitalista. E como eles já estavam presentes, ainda de forma incipiente, em alguns teóricos específicos do século XIX e início do século XX.

Ao tentar fazer essa espécie de arqueologia das referências de Stucka, ele, por entender o pensamento totalitário da propriedade burguesa como a base do Direito moderno, tenta sempre interagir criticamente com juristas formados nessas concepções, pois “deve a revolução proletária precaver-se até dos seus juristas”[48]. Stucka faz isso, por exemplo, com Ihering[49], em diversas passagens, adotando quase completamente sua teoria do interesse ao mesmo tempo que o denomina “filósofo confuso”[50].  Todavia, é o próprio Stucka que, em outras passagens, já fornece caminhos para uma pesquisa de suas fontes teóricas ao citar positivamente autores específicos, como Lorenz Von Stein (1815-1890), da Alemanha Bismarckiana, que já enunciava a importância central da tutela da propriedade privada para a sociedade burguesa ou o austromarxista moderado Karl Renner (1870-1950).

Von Stein, chamado por Stucka de “grande jurista”[51], é referido como um dos primeiros a problematizar o caráter primordial que a propriedade privada ocupa na sociedade burguesa, analisando a ideia de formação de classes a partir da distribuição da propriedade. Era essa distribuição que consolidava as funções dos indivíduos na sociedade e, assim, a ideia de constituir uma mesma classe. O aumento da propriedade era uma luta contínua de todas as classes, seja a classe superior dominante (que também lutava para subordinar a si sempre o poder estatal já conquistado), seja a classe inferior que nada possui e que por isso somente aumentaria sua propriedade por meio de uma revolução social. Von Stein concluiu pela conciliação de interesses de classes, com um papel decisivo uma classe média, intermediária.

Assim, Von Stein é importante para a teoria de Stucka, por um lado, por entender o conceito de classe social sob a perspectiva da propriedade (ou não) dos meios de produção e, por outro, como o precursor de uma desmistificação do Direito, entendendo-o como um compromisso concreto e histórico entre classes díspares e não mais como a ideologia de princípios morais e do justos inerentes ao ser humano. Por óbvio, Stucka critica a solução compromissória ou conciliatória do Estado Social Moderno, mas vê nela um avanço e uma aplicação direta da dialética no mundo jurídico[52].

Von Stein surge em um contexto de tradição alemã de pietismo e do cameralismo que “entendía al Estado como un instrumento para el fomento del bienestar individual y general”[53] e jungia a ideia moderna de Estado de Direito com o ideal do antigo Estado de polícia, reconhecendo uma responsabilidade estatal de fomentar as bases materiais de uma sociedade estruturada. O próprio Hegel afirmava ser o estado um instrumento subsidiário de assistência social[54], no mesmo sentido de Von Stein, de superação de contradições de classe e de consequente dissuasão da revolução.

Em sua obra “Socialismo e Comunismo na França Atual”, analisada amiúde por Stucka, publicada em 1850[55], o jurista alemão faz uma divisão entre sociedade econômica e sociedade industrial. A sociedade econômica seria originária da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de livre competição com igualdade jurídica, tendo por base o sufrágio censitário que garantisse o interesse dos proprietários. Já a sociedade industrial, oriunda da evolução da própria sociedade econômica, é caracterizada de forma diversa, em uma forte oposição de classe, entre capitalistas e proletariado, sob uma carência permanente de propriedade e de liberdade material, sempre dependente de um “salário de máquina”[56]. Von Stein chegava inclusive a anunciar que o proletariado tomava consciência de sua classe e se tornava sujeito de um movimento social que negava a propriedade privada e a família e que passava a lutar pela conquista do Estado[57]. Ao ler essa passagem, não há dúvidas não só da semelhança, como da leitura efetivamente realizada por Marx da obra de Von Stein[58].

Assim, a concepção classista do Estado e do Direito se inicia, na verdade, na obra de Von Stein. Ou seja, a ideia de que o Direito é voltado a uma classe de proprietários e não para uma classe existente de proletários não-proprietários. A desmistificação do Direito é, assim, tributada a ele pelo próprio Stucka. Todavia, a resposta de Von Stein não é a de que a classe proprietária deva aniquilar violentamente o proletário ou de que uma revolução proletária seria iminente e sim de que, o estado jurídico das coisas a seu tempo não seria o único arranjo possível: o Estado – e o Direito – não estaria necessariamente submetido, como estava à época, ao poder dos proprietários mas poderia ser utilizado para o bem de todas as classes, fazendo as classes não proprietárias adquirirem algum capital, nem que seja aos poucos, e assim fossem jungidas ao sistema político por meio de prestações públicas.

Nesse ponto, o que importaria era esse estado prestador, conciliador e consciente da existência de classes e o debate meramente ideológico de um Estado de Direito Constitucional para o monarquista Von Stein seria secundário[59]. Logo, Von Stein tenta analisar as funções do Estado como eixo condutor do Direito e não o debate de formas constitucionais que Stucka chamaria de ideológicas e meramente acessórias ao Direito Patrimonial (civil/privado). Ou seja, o avanço social do Estado e do Direito está na solução da disputa entre classes sociais e, mesmo que seja uma solução diversa encontrada pelos dois autores, a essência do conceito é a mesma: a heterodoxia de ir além do debate sobre formas jurídicas que, ao fim e ao cabo, representariam – se mantidas as mesmas funções estatais – somente a classe dos proprietários.

Ao debater o Estado de Direito, Von Stein chama atenção para a necessidade de uma nova democracia, na qual os interesses das classes sejam atendidos, uma democracia social[60] e não simplesmente uma democracia política, se assemelhando a tese de Marx[61] que entende a necessidade de uma emancipação humana e não uma simples emancipação política.

Dessa forma, conforme já afirmamos antes, no debate alemão sobre monarquia ou republica, a prioridade de Von Stein é lutar por uma reforma social, que aconteceria na medida em que o “capital acepta expresamente la reforma social por la amenaza de uma revolución social”[62]. Um dos seguidores de Von Stein, o conservador Hermann Wagener, que assessorou Bismarck na implementação da política social, sempre fez referência a citação de seu chefe de que os reis da Prússia nunca tinham sido especificamente reis dos ricos, mas sim se esforçaram para proteger e melhorar a situação dos pobres[63]. Ou seja, quando se imagina a tese leninista de uma democracia para pobres sempre ser, por outro lado, uma ditadura para os ricos[64], começamos a perceber convergência na necessidade de uma mudança nas funções do Estado, como outrora tinha pensado Marx[65], que seriam também tentadas no experimentalismo soviético.

Enfim, a ideia de reforma social, que Stucka rechaça como conservadora por sua ineficácia a longo prazo, é na essência, a base do conceito de um Direito que supere a forma jurídica da mercadoria, ou seja, que explicitamente se desmistifique, tornando ostensivo seu caráter de classe e tomando uma posição perante os interesses de suas classes influentes. E isso, necessariamente, levaria a um giro nos debates jurídicos liberais, ou seja, na essência do Direito de propriedade e no rebaixamento do Estado como um simples burguês, como pretendia Montesquieu.

O resgate desse “Direito Político” é que deveria ser mais esclarecido, tendo em vista a necessidade de pormenorizar essas novas funções do Estado que seriam funções de planejamento econômico de um modo de produção – burguês ou não – e sua consolidação em torno de bens essenciais, para isso, seria necessário ativar instituições jurídicas específicas, que identificassem não somente leis novas e sim, uma nova filosofia do Direito ou melhor, uma nova forma jurídica. Von Stein auxilia nessa tese inserindo a ideia de Direito social como central[66], para além da summa divisio clássica de Direito público e privado.

Todavia, buscaremos o auxílio de outro jurista que é muito mais específico nesta seara, dessa vez Stucka nos lembra de uma liderança de uma ala específica do pensamento socialista, o austromarxismo.

O jurista austríaco Karl Renner, inicialmente citado como mais um seguidor de Anton Menger e do “socialismo jurídico”[67], é retomado como “único jurista sério do marxismo atual da Europa Ocidental”[68] por Stucka, pois traz o aporte da funcionalidade das instituições jurídicas, fundamental para o conceito anti-normativista de Stucka, em que o Direito não é simplesmente uma relação abstrata fundada na lei ou na ideologia, mas também uma relação social concreta, que forma as relações econômicas de produção de uma determinada sociedade e é também por elas formado. A obra clássica de Karl Renner[69], cuja primeira edição é de 1904[70], serviu de inspiração possivelmente para o conceito enunciado por Stucka:

A sociedade não se baseia na lei. Esta é uma fantasia dos juristas. Pelo contrário, a lei deve basear-se na sociedade, deve ser expressão dos seus interesses e das necessidades gerais que se originam de um determinado modo de produção material em oposição ao arbítrio individual. No momento em que a lei não corresponde mais aos interesses sociais converte-se apenas num pedaço inútil de papel.[71]

Nessa toada, é fundamental entender que para Stucka o conceito de Direito pressupunha três relações sociais[72], duas abstratas (lei e ideologia dos princípios gerais) e uma concreta, que seria a reprodução formal das relações econômicas. Renner, em sua obra, abre espaço para entender que o Direito se posiciona sempre relacionado com as suas funções econômicas. É o entendimento das funções econômicas do Direito que o permitirá ser o teórico do Estado Social tanto na Áustria quanto na República de Weimar, na Alemanha.

É na República de Weimar que se tem a clareza de uma mudança no patamar do Direito Constitucional, elencando em suas preocupações normativas a vida econômica – e não somente a vida política – e, assim, transformando o pensamento bismarckiano de “reforma social” em “direitos sociais” constitucionalmente garantidos, assim como também – algo jamais pensado no século XIX prussiano – o Direito dos sindicatos em participar das relações econômicas por meio de comitês, reconhecendo acordos coletivos, pela primeira vez, como norma jurídica vigente (art. 165). Tal inovação era descrita pelo constituinte social-democrata Hugo Sinzheimer[73] como o “reconhecimento pelo Direito da existência das classes”. É a explicitação de que a sociedade, como apregoava Von Stein, está contemporaneamente cindida em classes e o Direito precisaria reconhecer isso em sua organização estatal:

A oposição se dá entre o capital e o trabalho, como os interesses capitalistas estão representados por vários órgãos, se fazia necessária a criação de uma representação pública para os interesses dos trabalhadores, que seriam os Conselhos de Fábrica. Já o Conselho Econômico representaria a comunhão de interesses, os deveres de produção comuns acordados por todas as classes sociais.[74]

Assim, começa a transformar em princípio universal do Direito aquilo que já estava explicitado um ano antes na “Declaração Solene dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado”, no Congresso dos Sovietes, e inaugurando os prolegômenos de um Direito que, declaradamente, queria superar a sociedade burguesa convicta de seu Estado Liberal Clássico, caminhando da cidadania política para a cidadania econômica[75]. A alteração das estruturas jurídico-constitucionais em Weimar é na verdade a incorporação do econômico, da discussão do homem individual e privado no âmbito do espaço público e da democracia, é incorporar o “bourgeois” nas premissas articuladas somente para o “citoyen”, fazendo o que Marx chamava de próximo passo para ir da emancipação política parcial para a completa (emancipação humana)[76]. Weimar, baseada também na contribuição dos austromarxistas como Renner:

Não representa mais a composição pacífica do que já existe, mas lida com conteúdos políticos e com a legitimidade, em um processo contínuo de busca de realização de seus conteúdos, de compromisso aberto de renovação democrática, que visava a emancipação política completa e a igualdade de Direitos, incorporando os trabalhadores ao Estado. (…) A constituição é vista como um projeto que se expande para todas as relações sociais.[77]

Stucka, inclusive, se apoia na tese de Karl Renner de que a admissão da propriedade como Direito Privado era um problema gravíssimo de divergência entre a norma e a realidade da produção absolutamente social da contemporaneidade. A descrição completa de Renner é a de que os meios de produção somente são ainda suportáveis como privados na medida em que o Direito Público incide diretamente com regras suplementares sobre todo bem de produção que concerne a sociedade como um todo. Ou seja, as instituições complementares ao Direito Privado retiram dos proprietários a disposição técnica sobre suas propriedades e o bem comum, do ponto de vista do Direito, submete a propriedade ao seu controle direto.

Public law has for a long time recognized that where the whole of society is in principle concerned with an object, it can no longer be treated as a matter that is merely private. So it comes about that private law is supplemented by rules of public law relating to the object; a process that was cautious and tentative in the beginning but soon became more decided an in the end was developed in full consciousness[78].

Como um social-democrata que não perdeu o horizonte do socialismo, Renner reivindica que o próximo passo seria libertar-se, enfim, das amarras do Direito Privado – ou poderíamos dizer, da forma jurídica da mercadoria – para enfim estabelecer esses institutos complementares como institutos centrais e permanentes do direito como um todo. É o que Stucka surpreendentemente já denomina de “Direito econômico”[79], o que, futuramente[80], seria consolidado não como um novo ramo do Direito, mas sim uma nova forma de entender o Direito, na qual a economia “deixa de ser privada para se tornar um problema de toda a comunidade”[81], uma nova construção jurídica ainda a ser plenamente experimentada, ousada e inédita:

If it has surrounded property with so many barriers that these have gained the specific and paramount importance of a legal construction sui generis, should it not set free this new construction from the obstructions caused by its origin? Or has it surrendered so much of its autonomy that it can no longer perform this last step or dare not do so? Does society still enjoy freedom of will, the power to create new norms? (…) is society still able to control technically the forces of development wich have been set free?[82]

Dessa forma, há, na hipótese de Renner, um caminho aberto para se repensar o Direito para além da mera forma jurídica da mercadoria e, ainda, reconstruir o caminho em que o Direito privado não tenha mais, como propagou, há mais de três séculos, Montesquieu, a hegemonia sobre a base do Direito, que é a propriedade privada dos meios de produção. Ao fim e ao cabo, se trata de uma nova “filosofia do Direito”, como preconizava Engels, ou mesmo, de uma nova forma jurídica na qual interesses coletivos se sobrepõem aos sujeitos individuais.

Esse caminho, afirma Renner, é traçado com institutos complementares de caráter público, que evidenciam o interesse de toda a sociedade sobre determinados bens e a necessidade, como teorizou Von Stein, de que os interesses de classe sejam clarificados e definidos em todo a regulamentação jurídica desses bens, que não podem se reduzir a meras mercadorias livres ou neutras.

Mesmo sob o jugo do capitalismo, os sociais-democratas conseguiram construir tais institutos complementares em torno da função social da propriedade rural e o seu protagonismo no Direito agrário, em torno de cláusulas obrigatórias e no princípio in dúbio pro operario no âmbito do Direito do trabalho e, enfim, na tentativa de se planejar toda a economia e seus mais relevantes meios de produção periodicamente, na inauguração de uma nova visão jurídica, denominada Direito econômico.  O que chama a atenção na obra de Renner é que, mesmo perante esses avanços, ele não esquece a necessidade de uma adequação total da forma jurídica a esses avanços, pois sua perenidade corre perigo permanentemente.

Essa adequação total libertadora seria, portanto, a chave para se entender o que seria o Direito em uma fase de transição pós-capitalista, mantendo a ideia de Direito, mas agora como reflexo do interesse da classe trabalhadora, que representaria a maioria governando em prol da maioria e, por isso, privilegiando bens comuns que superassem a mera lógica denunciada por Pachukanis de mercadorias a serem trocadas por indivíduos livres e iguais. Um Direito com uma nova tarefa, não mais de manter a igualdade e liberdade formal, mas “perseguir o desenvolvimento da nova forma comum da economia” e substituir um individualismo pela “execução de uma vontade superior coletiva”, tornando-se “um veículo para o socialismo”[83].

Referências Bibliográficas

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[1] Os nomes dos autores russos trazem, tendo em vista o alfabeto cirílico, grafias bastante diversas em português. O critério adotado no artigo foi o mais simples possível, mera cópia da grafia das traduções das obras utilizadas, descritas nas referências ao final. Assim adotaremos Petr Stucka e Evguiéni Pachukanis como grafias padronizada para nos referirmos a estes juristas.

[2] MARX, Karl. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010. Página 54.

[3][3] MARX, Karl. Os despossuídos: Debates sobre a Lei referente ao furto da Madeira. São Paulo: Boitempo 2017. Página 104.

[4] MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. São Paulo, Boitempo, 2010. Página 146-147.

[5] ENGELS, Friedrich & KAUTSKY, Karl. O Socialismo Jurídico. 2a. Edição. São Paulo: Boitempo, 2012. Página 19-21.

[6] ENGELS, op. cit., 2012. Página 48.

[7] KELSEN, Hans. The Communist Theory of Law. Nova Iorque: Frederick A. Praeger, 1955.

[8] KELSEN, Hans. Op. Cit, 1955. Página 13.

[9] É evidente que, ao fim de sua explanação, Kelsen insere sua teoria pura como uma das poucas teorias não-ideológicas do Direito, procurando simplesmente descrever a realidade jurídica sem emitir juízo de valor sobre sua moralidade ou justiça: “But it is quite possible to describe the bourgeois law by the statement that it is – according to its own immanent meaning – a norm or a normative order without being guilty of any ideological distortion of social reality: if the term norm is used without any moral connotation (…) This is just what a ´bourgeois theory of law` in its anti-ideological tendency has achieved. It is the so-called pure theory of law, advocated by the author of this study and his followers.” KELSEN, Hans. Op. cit., 1955. Página 14.

[10] “O próprio Marx, inclusive, durante um breve espaço de tempo, pagou o seu tributo à terminologia das teorias voluntaristas do Direito. Na realidade, Marx havia se formado nas concepções jurídicas dos anos trinta, que viam no Direito uma expressão da vontade geral (Volkswille)”. STUCKA, op. cit. 1988. Página 23.

[11] STUCKA, op. cit., 1988. Página 23.

[12] MARX, Karl. Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Expressão Popular, 2008. Página 243.

[13] MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O processo de produção do capital. 2a. Edição. São Paulo: Boitempo, 2011. Página 190.

[14] PACHUKANIS, Evguiéni. Teoria Geral do Direito e Marxismo. São Paulo, Boitempo: 2017a. Página 117.

[15] PACHUKANIS, op. cit., 2017a. Página 118.

[16] PACHUKANIS, op. cit., 2017a. Página 97.

[17] “Em resumo, o Estado estabelece sua relação com o infrator no quadro leal de um negócio comercial, e é nisso que consiste a assim chamada garantia do processo penal”. PACHUKANIS, op. cit., 2017a. Página 179.

[18] PACHUKANIS, op. cit., 2017a. Página 112.

[19] PACHUKANIS, op. cit., 2017a. Página 94.

[20] “Many bourgeois writers and especially German jurists of highly conservative attitude have advocated this doctrine, at the basis os which is the dualism of private and public law, closely connected with the dualism of law and state, subjective law (right) and objective law. And these dualisms are a characteristic element of certain legal theories developed by bourgeois writers” KELSEN, op. cit., 1955. Página 95.

[21] KELSEN, op. cit., 1955. Página 98.

[22] MARX, Karl. Crítica do Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012. Página 31.

[23] “No intervalo que transcorreu desde a primeira edição apareceu uma série de livros que, de uma ou de outra maneira, completam o meu trabalho, mesmo apesar de em parte não concordarem com a minha posição. Recordarei em primeiro lugar o trabalho de Teoria Geral do Direito e Marxismo, de E. Pachukanis (..) a obra é uma contribuição muito valiosa para nossa literatura teórica marxista, que até agora apenas nos deu uma teoria geral do Direito, e além disso incompleta e insuficiente” STUCKA, Petr Ivanovich. Direito e Luta de Classes: Teoria Geral do Direito. São Paulo, Acadêmica, 1988. Página 11.

[24] NAVES, Márcio Bilharino. Prefácio a edição brasileira. In: PACHUKANIS, Evgeni. A Teoria Geral do Direito e o Marxismo e Ensaios Escolhidos (1921-1929). São Paulo: Sundermann, 2017b. Página 13.

[25] STUCKA, op. cit., 1988. Página 13.

[26] ARTHUR, Christopher J. Introdução a Teoria Geral do Direito e Marxismo: In: PACHUKANIS, op. cit. 2017b. Página 30.

[27] Stucka chega a coordenar a elaboração do Plano de Ensino do Direito na URSS, no qual se teria uma grande divisão entre Direito em geral (burguês) e Direito especial (soviético): “E quando, há tempos, se compilou um plano de ensino do Direito, houve um projeto que traçou uma divisão do mesmo em Direito em geral (ou seja, burguês, naturalmente) e Direito soviético (ou seja, especial ou, diria eu, não natural)”. STUCKA, op. cit., 1988. Página 06.

[28] STUCKA, op. cit., 1988. Página 16.

[29] “A característica da coerção estatal burguesa é aqui tratada de uma maneira ingênua e idílica, uma vez que, na realidade, o mecanismo de coerção é bastante complexo e oculto. Nas suaves expressões sobre a liberdade de anular um contrato de prestação de serviços (dos serviços de alguém ou de uma coisa) inclui-se, apesar de a pena de morte estar abolida, a ameaça de morte pela fome e coisas semelhantes. Mas este é somente um aspecto da situação: a classe dos capitalistas e o seus Estado têm à sua disposição a Igreja, a ciência, a escola e a imprensa, que educam e persuadem e, por vezes, quando necessário, aterrorizam.” STUCKA, op. cit., 1988. Página 66.

[30] “Como consequência, no interior desses sistemas de classes, o Direito como relação é indistinguível das relações sociais em geral, e o camarada Stutchka já não está em condições de responder à capciosa questão do professor Reisner sobre como as relações sociais se transformam em instituições jurídicas ou como o Direito se transformou no que é”. PACHUKANIS, op. cit., 2017a. Página 129.

[31] “O primeiro ponto do conceito é absolutamente fundamental, pois observar o Direito, não como uma categoria universal, mas como uma forma específica das “relações sociais”, significa visualizá-lo como uma forma histórica de mediação entre as relações de produção, troca e apropriação. Por sua vez, a sua vinculação com os “interesses da classe dominante” resulta numa ruptura ideológica com a ideia do Direito enquanto uma expressão dos interesses públicos/universais para compreendê-lo como fruto de interesses contraditórios derivados de uma sociedade cindida em classes. Por fim, a tutela da relação jurídica pelo poder historicamente organizado desta classe, nem de longe implica numa identidade entre Direito e Estado, sendo as normas positivadas pelo “poder organizado” apenas uma das faces da forma jurídica” SOARES, Moisés Alves e PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito e Marxismo: entre o antinormativo e o insurgente. In: Revista Direito e Práxis, vol. 5, n. 9, 2014, pp. 475-500. Página 487.

[32] STUCKA, op. cit., 1988. Página 144.

[33] STUCKA, op. cit., 1988. Página 16.

[34] STUCKA, op. cit., 1988. Página 16.

[35] O conceito de proletariado é mais complexo do que os objetivos deste artigo, todavia, é bom lembrar que Marx analisava o proletariado não como uma nova elite que se formava, e sim como o eixo produtivo da sociedade que estava excluído das decisões sobre os meios de produção, assim, a sua “libertação”, diversamente do que tinha ocorrido com a burguesia, imaginaria um modo de produção igualitário, pois significaria uma libertação da maioria e não da minoria: “Todas as classes que no passado conquistaram o poder trataram de consolidar a situação adquirida submetendo toda a sociedade às suas condições de apropriação. Os proletários não podem apoderar-se das forças produtivas sociais senão abolindo o modo de apropriação a elas correspondente e, por conseguinte, todo modo de apropriação existente até hoje. Os proletários nada têm de seu a salvaguardar; sua missão é destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada até aqui existentes. Todos os movimentos históricos têm sido, até hoje, movimentos de minorias ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento autônomo da imensa maioria em proveito da imensa maioria. O proletariado, a camada mais baixa da sociedade atual, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade oficial.” MARX, op. cit., 2010. Página 49-50.

[36] STUCKA, op. cit., 1988. Página 71.

[37] STUCKA, op. cit., 1988. Página 23.

[38] Neste ponto, Stucka faz referência que nem mesmo os juristas burgueses acreditam mais na vontade como geradora única de um ordenamento jurídico. A sua principal referência é Ihering, que afirmara que até a lógica se subordinaria ao interesse. STUCKA, op. cit. Página 47.

[39] ENGELS & KAUTSKY, op. cit. 2012. Página 47.

[40] STUCKA, op. cit., 1988. Página 11.

[41] MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011. Página 60.

[42] STUCKA, op. cit., 1988. Página 83.

[43] STUCKA, op. cit., 1988. Página 172.

[44] MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Página 516-517

 

[45] SOARES, op. cit., 2014. Página 495.

[46] STUCKA, op. cit. 1988. Página 83.

[47] STUCKA, Petr Ivanovich. “Tribunal velho e tribunal novo”. In: STUCKA, P. Direito de classe e revolução socialista.  3a. edição. São Paulo: Sundermann, 2009, p. 26.

[48] STUCKA, op. cit., 1988. Página 18.

[49] STUCKA, op. cit., 1988. Página 21

[50] STUCKA, op. cit., 1988. Página 96.

[51] STUCKA, op. cit., 1988. Página 42.

[52] STUCKA, op. cit., 1988. Página 157.

[53] RITTER, Gerhard. El Estado Social, su origen y desarrollo en una comparación internacional. Madrid: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1991. Página 88.

[54] RITTER, op. cit., 1991. Página 89.

[55] A primeira edição do livro se chamava Der Sozialismus und Kommunismus des heutigen Frankreich, ein Beitrag zur Zeitgeschichte (ou, em tradução livre, “Socialismo e Comunismo na França Atual: uma contribuição a história de nosso tempo”), mas que ficou conhecido pelo título modificado em sua terceira edição de 1850: “História dos movimentos sociais na França: 1789-1850”.

[56] RITTER, op. cit., 1991. Página 91.

[57] Importante frisar que essas teses de Von Stein foram publicadas antes mesmo da análise social da luta de classes do próprio Marx, sendo que este mesmo, conforme já explicitado acima, se dizia não ser pioneiro nessa temática. Além de Lorenz Von Stein, o próprio Charles Louis Blanc (1813-1882) também já falava sobre a distinção de classes entre burguesia e proletariado antes dos textos marxianos clássicos.

[58] GUERRERO, Omar. Estudio Introductorio: Von Stein y Alemania. In: VON STEIN, Lorenz. Tratado de teoría de la administración y derecho administrativo. Cidade do México: Fondo de Cultura Economica, 2016. Página 13.

[59] RITTER, op. cit., 1991. Página 92.

[60] RITTER, op. cit., 1991. Página 92.

[61] “A emancipação política é a redução do homem, por um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente e, por outro, a cidadão, a pessoa moral. Mas a emancipação humana só estará plenamente realizada quando o homem individual real tiver recuperado para si o cidadão abstrato e se tornado ente genérico (…) quando o homem tiver reconhecido e organizado suas forças próprias como forças sociais e, em consequência, não mais separar de si mesmo a força social na forma de força política.” MARX, Karl. Sobre a Questão Judaica. São Paulo: Boitempo, 2010. Página 54.

[62] RITTER, op. cit., 1991. Página 93.

[63] RITTER, op. cit., 1991. Página 94-95.

[64] “Mas a ditadura do proletariado, isto é, a organização de vanguarda dos oprimidos em classe dominante para o esmagamento dos opressores, não pode limitar-se, pura e simplesmente, a um alargamento da democracia. Ao mesmo tempo que produz uma considerável ampliação da democracia, que se torna pela primeira vez a democracia dos pobres, a do povo, e não mais apenas da gente rica, a ditadura do proletariado acarreta uma série de restrições à liberdade dos opressores, dos exploradores, dos capitalistas. Devemos reprimir sua atividade para libertar a humanidade da escravidão assalariada, devemos quebrar sua resistência pela força.” LÊNIN,  Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução. São Paulo: Boitempo, 2017. Página 144.

[65] “Pergunta-se, então, por que transformações passará o ordenamento estatal numa sociedade comunista? Em outras palavras, quais funções sociais análogas às atuais funções estatais, nela permanecerão?” MARX, op. cit., 2012. Página 39.

[66] GUERRERO, Jinú Carvajalino. Solidaridad de intereses: la transformación del derecho social como dominación en Lorenz von Stein. In: Revista de Estudios Sociales no. 46, Maio/Agosto, 2013. Bogotá, 2013. Páginas. 74-85. Página 75.

[67] STUCKA, op. cit., 1988. Página 91.

[68] STUCKA, op. cit., 1988. Página 109.

[69] RENNER, Karl. The institutions of private law and their social functions. Londres: Routledge e Kegan Paul Limited, 1949.

[70] Stucka também cita Leon Duguit (1859-1928) e suas concepções sobre função social, todavia, como temos Karl Renner mais vezes – e mais positivamente – citado e, ainda, seu trabalho é anterior, há uma precedência temporal, lógica e de afinidade teórica que levamos em conta para dar relevo ao segundo e não ao primeiro autor em suas teses semelhantes.

[71] STUCKA, op. cit., 1988. Página 113.

[72] STUCKA, op. cit., 1988. Página 77.

[73] RITTER, op. cit. 1991. Página 149.

[74] BERCOVICI, Gilberto. O Debate de Weimar e as Origens do Direito Econômico. Apresentado no X Congresso Brasileiro de História do Direito. São Paulo: Faculdade de Direito da USP, 3 a 5 de setembro de 2018. (no prelo). Página 09.

[75] BERCOVICI, Gilberto. 2018. Página 11.

[76] MARX, op. cit., 2010. Página 41.

[77] BERCOVICI, Gilberto. O Ainda Indispensável Direito Econômico. In: Maria Victoria de Mesquita Benevides; Gilberto Bercovici; Claudineu de Melo. (Org.). Direitos Humanos, Democracia e República: Homenagem a Fábio Konder Comparato. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 503-519. Página 511.

Página 511.

[78] RENNER,  op. cit., 1949. Página 297.

[79] STUCKA, op. cit., 1988. Página 172.

[80] A primeira edição da obra de Stucka é de 1921, sendo que nesse mesmo ano os primeiros textos sobre Direito Econômico, ainda entendido como Direito apenas temporário de guerra, estão sendo produzidos na Alemanha (BERCOVICI, Gilberto. Op. cit., 2018. Página 4).

[81][81] BERCOVICI, op. cit., 2009. Página 512.

[82] RENNER, op. cit. 1949. Página 299.

[83] BERCOVICI, op. cit. 2018. Página 14 e 15.

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