O projeto musical do Partido Comunista do Quênia (CPK)

Por Tony Mboyo*, via CPK, traduzido por Angelo Ardonde**.

*Conhecido como Kasmall Swift Oyombe, membro do Comitê Central do CPK, secretário de Cultura e Artes

** Este texto está disponível no site do CPK, também foi publicado na coletânea The Building of the Communist Party of Kenya (Red Prints Publishing, 2023) e na revista Itikadi: Socialism, Theory and Practice (Set. 2020), o órgão de imprensa oficial do partido. As canções mencionadas no texto acompanham hiperlinks para os respectivos vídeos na playlist do CPK no Youtube e, quando foi possível, a tradução dos títulos do suaíli para o português.


“O bom da música é que, quando ela bate, você não sente dor“ – Bob Marley

O Partido Comunista do Quênia (CPK) embarcou no projeto de documentar as canções do partido, assim como as canções de luta locais e internacionais. É a primeira vez que um projeto desse tipo é tentado em tal dimensão. Por meio da música, o partido busca educar as massas quenianas sobre o passado e o presente das lutas políticas e socialistas. Também se espera que o acervo musical contribua para o avanço dos quenianos progressistas e revolucionários, em seus esforços para prosseguir na luta contra a exploração, a opressão, o neocolonialismo e o imperialismo no Quênia. Historicamente, a música tem sido usada ao redor do mundo como um combustível para mudanças positivas, revoltas populares e revoluções, bem como para motivar combatentes e revolucionários no decorrer de suas lutas.

É dito que “a música encontra-se em todas as culturas e religiões, no passado e no presente, variando amplamente no espaço e no tempo. Uma vez que todos os povos do mundo têm suas formas de música, até mesmo os grupos tribais mais isolados, pode-se concluir que a música provavelmente esteve presente entre as populações ancestrais antes da dispersão humana pelo mundo” [1].

Nesse sentido, o CPK reconhece que a música tem o poder de se entranhar na alma humana, integrando a própria vida humana. Em África, por exemplo, músicos como Miriam Makeba, Hugh Masekela, Lucky Dube e muitos outros usaram a música para se expressar e lutar contra o regime de apartheid. Aqui no Quênia, o Exército por Terra e Liberdade do Quênia (os Mau-Mau), criaram dezenas de canções de resistência para despertar as massas e mobilizá-las contra os colonialistas britânicos. A música tem participado de todas as lutas nacionais no Quênia, desde que conquistamos a independência do domínio colonial direto [2].

Fase inicial

A fase inicial do projeto musical do CPK envolve o levantamento e gravação de músicas já existentes. Uma canção do tipo é a Wimbo wa Mapambano (Anthem of the Struggle) [Hino da luta], amplamente cantada em espaços progressistas e ativistas, como atos de rua, fóruns comunitários e outras atividades de base. Composta por antigos ativistas e popularizada pela organização de Libertação dos Presos Políticos [Release Political Prisoners] e pelo Grupo Teatral 5 Séculos de Direitos Humanos [5 Centuries Human Rights Theatre], essa música usa a mesma melodia de Nkosi Sikelel’ iAfrika [Senhor, abençoe a África], música adotada pelo Congresso Nacional Africano na África do Sul em 1925. As outras canções incluem a versão queniana do canto toyi-toyi [3], característico pelos pisoteios, muito dançado nos protestos. Pretendemos que essa versão conscientize sobre injustiças como a corrupção e o tribalismo, e mobilize as massas a travar uma guerra contra essas e outras mazelas sociais. Outras canções incluem: Viva Afrika, uma canção panafricanista popularizada pelo Movimento Rastafari e pelo Partido Comunista do Quênia; Kalimambo [Obrigado], popularizada pelo falecido camarada Presidente Samora Machel de Moçambique; Kazi Ngumu Tunayoifanya [O trabalho duro que fazemos], uma canção inspirada na música dos campos de treinamento do Movimento de Resistência Nacional de Uganda, Tutasonga Kwa Mapinduzi [Vamos à revolução], também dos campos de treinamento do Exército de Resistência Nacional (NRA, de Uganda) e Sisi Watu Wa Afrika [Nós, o povo africano], que já foi adotada como hino do Movimento Pan-Africanista na África Oriental.

Celebrando o papel das mulheres

Para celebrar o papel das mulheres em muitas lutas de libertação, o partido identificou duas canções que integram a fase inicial. Uma delas é um remake da canção sul-africana chamada Slovo no-Tambo, originalmente gravada por Amaqabane. Nessa canção, o partido celebra as contribuições de três grandes líderes quenianas na história da libertação do Quênia, cada uma representando uma era diferente das nossas lutas anti-coloniais. Essas mulheres são Mekatili wa Menza, que liderou os quenianos contra o roubo de suas terras e o trabalho forçado imposto pelos colonialistas; Muthoni Nyanjiru, que liderou homens e mulheres no protesto contra o roubo das terras africanas, a imposição do sistema de kipande [4] e a prisão de líderes do movimento queniano por direitos civis; e Muthonia Kirima, que foi uma das oficiais guerrilheiras de mais alta patente do exército Mau-Mau. A versão do CPK chama-se Mekatilili na Muthoni [não localizei o vídeo]. As contribuições destas e de muitas outras mulheres quenianas em diversas lutas no Quênia são geralmente minimizadas e escondidas nos arquivos, mas suas memórias e inspiração devem ser reavivadas por meio de canções como essa e de muitas outras que virão.

A segunda canção celebrando o papel das mulheres na luta chama-se Women of the working class [Mulheres da classe trabalhadora], originalmente da greve dos mineiros de 1984 no Reino Unido, gravada por Mal Finch. O CPK dará a essa canção um contexto queniano.

Outra conquista significativa desse projeto foi a tradução e gravação de Bella Ciao em suaíli. Para as gerações mais jovens no Quênia, essa canção é sinônimo da série espanhola La casa de papel. Eles desconhecem que Bella Ciao é um hino de protesto popular e antifascista que há décadas tem unido os lutadores pela liberdade. Essa canção vem da Itália, onde as trabalhadoras nos arrozais cantavam para protestar contra as condições de trabalho desumanas a que eram submetidas. Essa canção ganhou proeminência durante a resistência italiana contra as forças de ocupação nazistas, e desde então tem sido entoada pelos partisanos que lutam contra a ocupação e a dominação estrangeira, assim como contra a opressão e a exploração interna.

A Internacional em suaíli

Talvez uma das nossas maiores contribuições à humanidade será a gravação, pela primeira vez na história, da Internacional em suaíli. A Internacional foi traduzida e cantada em todas as línguas internacionais, menos em suaíli. Traduzida pelo presidente do Partido Comunista do Quênia, o camarada Mwandawiro Mghanga, que também é poeta e entusiasta de suaíli, essa canção trará o fogo revolucionário internacional para mais perto de casa. Além disso, será realizada a gravação do hino na versão correta em inglês, já que a maior parte das versões na internet são do tipo “reformista”.

A coleção inicial contará com onze canções em inglês e suaíli [5]. A segunda coleção continuará documentando as canções de luta já existentes, mas conterá também novas criações, incluindo canções em diferentes línguas e estilos locais. Essas canções serão educativas, ideologicamente embasadas e artisticamente sem fronteiras.

O projeto musical do CPK é um projeto de longo prazo, com o qual se espera aprofundar o espírito revolucionário queniano. O projeto busca popularizar o manifesto e as ideias revolucionárias do Partido Comunista do Quênia, que é a vanguarda dos trabalhadores e camponeses no país. De fato, é o único partido no Quênia e na região que carrega uma ideologia verdadeira para a emancipação do povo queniano.

Notas:

[1] WALLIN, Nils Lennart; Steven Brown; Björn Merker. The Origins of Music. Cambridge: MIT Press, 2001.

[2] É fundamental notar que a música também foi usada por sucessivos regimes independentes, especialmente durante a era KANU [no governo da União Nacional Africana do Quênia], para promover a ditadura e outras ideias reacionárias entre as massas.

[3] Nota do tradutor: estilo de dança e canto sul-africano amplamente usado em protestos políticos, caracterizado pelos pisoteios e cânticos espontâneos, que podem incluir palavras de ordem ou canções, improvisadas ou criadas previamente. O toyi-toyi foi usado para intimidar a polícia sul-africana e as forças de segurança nos protestos contra o apartheid (conferir na Wikipedia e no Youtube: “Toyi Toyi Dance”).

[4] Nota do tradutor: imposto pelo domínio colonial britânico no Quênia, o kipande foi um documento de identidade que carregava dados pessoais, impressões digitais e um histórico de empregos, era preso a uma corrente que se usava em volta do pescoço. Em 1920, o sistema de kipande tornou-se obrigatório aos homens africanos acima de 15 anos (conferir na Wikipedia e no Youtube: “O sistema de kipande e a regulamentação da mão-de-obra migratória africana nas lavouras de sisal do Tanganyika colonial (1893 – 1963)”, pesquisa apresentada por Felipe Bastos).

[5] Nota do tradutor: o documento que resultou da primeira fase do projeto está disponível no site do CPK.

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1 comentário em “O projeto musical do Partido Comunista do Quênia (CPK)”

  1. Boa noite comanheiros.

    Finalmente assino o vosso correio, que divulgarei a mais gente.
    Muito obrigado pelo vosso inestimável serviço público.

    Abraço antifascista desde Lisboa.

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